Parte 5: As deusas de Fogo – Vênus e Lilith em trígono
No mapa de lançamento do filme Mulher-Maravilha o trígono entre Vênus em Áries e Lilith em Sagitário, ambos signos do elemento fogo, representa bem a energia que flui da temática da produção, apresentando um feminino que não se organiza pelas regras convencionais das sociedades patriarcais, mas encontra formas de expressão variadas e multidimensionais. Diana Prince é independente, corajosa e defende os mais fracos, uma perfeita personalização da Vênus ariana, que é objetiva, autônoma e veloz na busca por aquilo que lhe satisfaz e na defesa de seus próprios valores.
Não à toa, Vênus em Áries é um posicionamento comum em mulheres que ficaram reconhecidas pela luta por igualdade entre os gêneros e pelo desafio aos padrões de comportamento considerados adequados para elas por suas sociedades. Frequentemente, é um posicionamento ao qual os astrólogos se referem como a “amazona” ou “guerreira” do zodíaco. E inclui homens e mulheres que foram pioneiros em suas áreas de atuação, tais como Albert Einstein, Bob Marley, Marilyn Monroe e Audrey Hepburn.

Posicionamento bem adequado para um filme que nos apresenta a Amazona mais famosa do mundo pop, não? Porém, na Astrologia, Vênus está exilada em Áries, o que significa que a energia dela precisará de um esforço para ser integrada ao restante da personalidade. Assim como as Amazonas vivem exiladas do resto do mundo, Vênus nesse signo pode desafiar os padrões sociais e ser uma fonte de sentimentos de inadequação. Como ressalta Alejo Lopez, “o exílio de Vênus em Áries é a tarefa social da mulher de não falar, de não ter iniciativa e não tomar posições em sua própria defesa”[1].
Obviamente, a narrativa de Mulher-Maravilha deixa bem claro que nenhuma das Amazonas se conformaria a um papel tradicional destinado às mulheres, muito menos a princesa delas. Cenas como o diálogo de Diana e Steve sobre o papel dos homens na procriação ou a dificuldade de escolha de roupas adequadas para circular no mundo dos homens revelam, com humor, que a heroína não se conforma ao papel socialmente atribuído às mulheres em sociedades patriarcais. Austin Coppock destaca, ao mencionar Vênus em Áries, que esse posicionamento faz com que a pessoa cruze e borre os limites impostos socialmente aos gêneros, “incorporando muito daquilo que é tradicionalmente masculino numa esfera cultural aceita do feminino”[2]. Como o autor reflete, é difícil ser uma mulher aventureira, feminista e sensual ao mesmo tempo, mas alguém tem que sê-lo. E esse dinamismo, provavelmente, caberá aquelas com Vênus em Áries.
Como destaca o crítico Pablo Villaça, não apenas Diana, mas o próprio filme tem uma abordagem pouco convencional e pioneira do feminino, exatamente porque mostra o mundo – e também a heroína – pelas lentes femininas.
Mas Mulher-Maravilha vai além: em certo instante, Diana comenta casualmente como “quando se trata de prazer, (os homens) são desnecessários”; e, mais tarde, é ela quem toma a iniciativa ao se ver sozinha com Steve. Aliás, o fato de ter sido dirigido por uma mulher é algo que também molda de maneira importante a abordagem narrativa do filme: quando a heroína veste seu uniforme pela primeira vez, Patty Jenkins inclui vários planos-detalhe que revelam suas botas, seus braceletes e sua corda, jamais objetificando seu corpo ao fazer algo que cineastas do sexo masculino recorrentemente fazem e certamente repetiriam aqui, aproveitando a desculpa para explorar coxas, seios, bunda e o que mais fosse possível.
Sagitarianamente idealista
Porém, Diana não é apenas corajosa em sua expressão sexual ou no campo de batalha, como bem demonstra a cena épica dela atravessando a “Terra de Nenhum Homem”, isto é, o espaço entre as duas trincheiras inimigas na guerra onde nenhum soldado ousava pôr os pés. Suas ações são organizadas por firmes propósitos morais, que consistem, basicamente, em evitar a violência entre os homens e o aniquilamento da humanidade pelas ações de Ares.
O filme, assim com a personagem, exibe as qualidades sagitarianas das altas aspirações filosóficas e políticas, da busca pelo aprendizado constante e da vontade de liderar os outros na defesa da Justiça. Em sua jornada, que ocorre durante o processo de emigração dela para o mundo dos homens e o abandono da ilha onde nasceu, há um constante aperfeiçoamento de seu próprio poder, das estratégias que utiliza, do que almeja para o futuro. Porém, não há nenhum desvio do seu objetivo inicial, que era a destruição de Ares. A heroína não titubeia em nenhum momento, nem questiona esse objetivo. Apenas fica frustrada, irritada ou desesperada quando não consegue realizá-lo imediatamente – como na cena em que discute com Steve após o massacre dos aldeões pela bomba jogada pelos vilões.
Se é o signo das altas aspirações, Sagitário também exibe uma sombra que pode resvalar para o dogmatismo e o fanatismo. Em outros termos, um sagitariano pode querer impor aos demais sua visão de mundo e suas convicções políticas, religiosas ou filosóficas, exibindo profunda irritação e frustração quando não convence os demais desses posicionamentos. No posicionamento do filme, Lilith, ou Lua Negra, está em Sagitário, o que significa a representação do desejo de afirmação na pólis, a interação social, a questão com a Lei, a ética própria e a transgressão dos valores.

Ora, não é exatamente essa a atuação de Diana durante a narrativa, ao invadir o terreno da guerra, tradicionalmente masculino, de forma tão assertiva, para tentar parar a Primeira Guerra Mundial?
Ancoramento da sombra
A posição de Lilith numa Carta Natal representa o poder inconsciente: extremos, repulsão/atração, frio/calor, compulsão/pulsão, sentimentos reptilianos, dificuldade ou talento. Esse poder geralmente se revela através dos gestos, do corpo, da atração ou repulsão por coisas, pessoas e situações que nós próprios não percebemos. Vários autores mencionam que Lilith representa um ponto de inversão dos valores da Lua Branca, pois traz a memória das palavras não ditas, mas sentidas; as sensações; a negligência ou o sufocamento sentidos ainda no útero; aquilo que está por trás das palavras; tudo o que é percebido de forma visceral.
Lilith é o ponto vazio entre o Apogeu da Lua – posição mais distante de sua órbita – e a Terra. De certa forma, funciona como um filtro para nossa relação com todos os outros astros. O signo onde ela está, portanto, nos dá uma tonalidade de como vamos perceber o mundo e os outros. Esse ponto pode representar a concretude dos nossos medos, e apresenta uma compatibilidade com Saturno[3], por conta do ancoramento que realiza. Em outras palavras, pode nos ajudar a ter mais objetividade em nossa relação com o mundo, pois quando conseguimos realizar uma adequada canalização dos nossos instintos, com materialização deles em pulsões de vida, desenvolvemos nossos talentos.
Em Sagitário, signo de sua exaltação diurna, percebemos que ela será questionadora por natureza. A rejeição será sentida como uma raiva do mundo e do que já foi estabelecido antes de sua chegada. A sombra da verdade é a mais escura aqui, pois sente medo da intranscendência, da incapacidade de compreensão dos motivos divinos. Por isso, deve enfrentar a necessidade de continuar com a busca, pois em algum momento deve simplesmente crer. Apesar de ser um posicionamento comum em líderes espirituais ou políticos, será necessário que o indivíduo aceite que cada ser humano tem uma interpretação da verdade e não há necessidade de uma verdade superlativa.
O signo onde temos a Lua Negra também nos mostra a estratégia da nossa mãe no mundo, a tonalidade, a nuance que recebemos dela. Até os sete anos, a estratégia da mãe é a mesma da criança. Isso tem a ver com a memória das sensações intrauterinas, algo como o talento em estado bruto. No caso de Sagitário, uma interpretação astrológica fundamental é que, se a mãe não tivesse transgredido, não teria o filho/a. A narrativa de Hipólita para o nascimento da filha tem essa chave: ela quis a criança, mesmo correndo o risco de perdê-la, por conta dos talentos divinos destinados a Diana.

Inversão de valores
Segundo Cláudia Lisboa, a dualidade feminina de Lilith se expressa em Sagitário como repressão mental e “contestação às atitudes que submetem a pessoa a influências intelectuais do outro” (Lisboa, 2013, p.595). Sempre que há reatividade à insegurança, será dogmática e inflexível. Qualquer mágoa será convertida em contestações às opiniões dos outros. Por isso, a pessoa com esse posicionamento precisa transformar a força das competições intelectuais em recursos para promover admiração de ambos os lados em seus relacionamentos.
A autora prossegue afirmando que a insubordinação aparecerá sempre que a pessoa sentir suas concepções e princípios ameaçados. “Ela não suporta ser humilhada intelectualmente, ter sua liberdade de pensamento tolhida e ser tratada com intolerância e dogmatismo” (Lisboa, 2013, p.595). De forma similar, os recursos de sedução e a sexualidade estarão associados à sua forma de pensar, à intensidade nos sonhos e projetos de vida (p.596).
Apesar das críticas razoáveis de feministas e pessoas conectadas ao ativismo das minorias, o filme Mulher-Maravilha apresenta uma heroína que faz uma defesa apaixonada de seus pontos de vista e ideais de mundo durante toda a trama. A intensidade e a radicalidade de Diana contagiam não apenas Steve, mas toda a trupe de amigos que resolve lhes acompanhar na aventura, apesar da desconfiança inicial. Todos embarcam na viagem liderada por ela, destinada aos mais altos ideais humanos de paz, amor, amizade e segurança. Aliás, Jay ressalta que o desejo aventureiro de sempre ampliar os próprios horizontes para incrementar sua compreensão do mundo faz das pessoas com Lilith em Sagitário muito independentes, com dificuldades de manter os laços afetivos, sempre vistos como ameaçadores à sua liberdade (Jay, 2010, p.41).

Assim, combinam-se o pioneirismo da Vênus em Áries, ao apresentar um olhar feminino sobre o mundo dos super-heróis, e a nuance sagitariana de Lilith ao mostrar a defesa de pontos de vista sociais considerados fora do padrão dominante – força, coragem, ousadia, independência e ação assertiva como características femininas. O produto final é um universo mítico no qual tudo é permitido às mulheres, devidamente representadas por Diana, a princesa amazona, a Mulher-Maravilha.
Até mesmo acabar com uma guerra.
Referências
JAY, D. G. Interpreting Lilith. Tempe/AZ: American Federation of Astrologers, 2010. 5ª ed.
LISBOA, C. Os astros sempre nos acompanham. Um manual de Astrologia Contemporânea. Rio de Janeiro: Best-seller, 2013. 1ª ed.
[1] Tradução da autora para: “The exile of Venus in Aries is the social duty for a woman not to speak up, not to have her own initiative and not to stand for herself.”
[2] Tradução da autora para: “In an era between traditional gender roles and total freedom, Venus’ movement through Aries crosses and blurs these lines, incorporating much of what is traditionally masculine into the culturally accepted sphere of the feminine.”
[3] A próxima série de posts, a partir da semana que vem, tratará especificamente das relações entre Lilith e Saturno, tema do meu trabalho apresentado no Congresso do Sinarj em 2017. Aguarde!