Confronto e empoderamento: Expressões de Saturno & Lilith em Capricórnio II

Dignidade Selvagem

Se Saturno representa contenção, continuidade, estrutura, lentidão, autoridade, esforço, razão e, por que não, o masculino, o outro arquétipo que analisamos nesta série de postagens – Lilith, ou Lua Negra – nos fala de rebeldia, ruptura, caos, imediatismo, liberdade, prazer, emoção. Em uma palavra: do feminino. É fácil perceber, por meio da dicotomia entre Lilith e Saturno, a complexidade da psique humana.

Lilith, com toda sua selvageria e insubordinação, também transitou por Capricórnio durante todo o primeiro semestre de 2018 (mais exatamente, de novembro de 2017 a agosto de 2018). Nos nove meses que passou no signo onde fica dignificada, ela também trouxe à tona conteúdos do inconsciente, da sombra arquetípica que afeta a todos os humanos, individual ou coletivamente.

Primeira mulher de Adão, criada em conjunto no que ficou conhecido como “homem primordial”, Lilith teria questionado o fato de sempre ficar por baixo durante o coito, exigindo um tratamento mais igualitário para seus desejos e impulso sexuais, segundo nos conta o mito. Parte da tradição judaica e também da suméria, assim como babilônica, o mito de Lilith, segundo Hurwitz, conecta-se ao arquétipo da Grande Fêmea, que inclui a grande mãe e a Anima sedutora. A articulação desse mito na psique dos sujeitos contemporâneos traduz um problema universal, segundo o autor: a confrontação com o feminino sombrio.

The garden of Eden with the fall of man, by Jan Brueghel de Elder and Peter Paul Rubens
Adão e Eva no paraíso, pouco antes de comerem do fruto proibido oferecido pela Serpente. O Jardim do Eden e a Queda do Homem (1615) , obra de Jan Brueghel e Peter Paul Rubens.

Sicuteri, por sua vez, informa que o mito contém, resumidamente, todo o processo histórico de repressão das características atribuídas a esse feminino selvagem – ou, numa perspectiva psicológica, ao inconsciente profundo. Como descreve Engelhard:

Lilith, portanto, está sempre se (re)atualizando na busca de reequilibrar, dentro do self cultural, os desvios unilaterais causados ao subjetivo, ao intuitivo, pela força repressora do dinamismo patriarcal. Ela irrompe como um vulcão, que lança suas lavas incandescentes e sua fumaça negra a grandes distâncias, causando espanto, abalo, sofrimento, medo e dor, provocando um raro espetáculo de beleza e temor, mas também renovando, transformando e fertilizando o mundo ao seu redor, removendo o que oprime e paralisa (Engelhard, 1997, p. 30).

Para Barbara Koltuv, a compreensão desse arquétipo precisa ser realizada, pois o conhecimento do lado sombrio do feminino é necessário para o homem construir seu ego, criar uma fortaleza para sua consciência e personalidade. Hurwitz concorda que é preciso, de um ponto de vista psicológico, integrar os conteúdos do arquétipo de Lilith para que haja crescimento psíquico. Equiparando o arquétipo ao conceito junguiano de Anima[1], ambos os autores afirmam a importância do processo de trazer Lilith à consciência, para integrá-la à experiência vivida. Como ressalta Koltuv, Lilith é o nível instintivo, primal de vida, aspecto biológico, vital (Koltuv, 1986).

Profundamente conectada à expressão sensual dos desejos e pulsões, das sensações corporais, Lilith pode ser vista como a contraparte feminina de Saturno, apesar dos antagonismos mencionados entre os dois arquétipos. Há uma afinidade entre os dois, como ressalta Delphine Jay, para quem “ambos representam circunstâncias disciplinadoras que forçam atitudes realísticas: a primeira emocionalmente, o segundo materialmente. (…) O efeito de Lilith limita o emocionalismo negativo, assim como Saturno limita a desorganização das questões materiais. Ambos são fatores de controle no nível mais baixo” (Jay, 2010, p. 16).

A autora destaca que, de um ponto de vista coletivo e social, as demandas de Lilith consistem em um período de abordagem impessoal da vida. Se há imaturidade emocional da pessoa, o arquétipo representa a negação da disciplina. Por outro lado, num nível mais positivo de consciência e operação dessa energia, há possibilidade de impulso mental, intelectual e artístico em uma abordagem profundamente criativa (Jay, 2010).

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Criatividade para quê? Photo by Mervyn Chan on Unsplash.

Enquanto a Lua, ou Lua Branca, tem seu domicílio em Câncer, Lilith encontra-se dignificada exatamente em Capricórnio. Segundo Jay, o posicionamento desse ponto arquetípico na carta representa onde e por meio de quais energias manifestamos objetividade emocional ou a falta dela. Desse modo, se operado num nível “ingênuo”, segundo a denominação da autora, a energia de Lilith torna-se disruptiva, destrutiva, frustrante. Contudo, se há suficiente consciência dela e maior maturidade emocional, seu potencial criativo e motivacional consegue expressar-se com desenvoltura (Jay, 2010).

Maturidade emocional e distanciamento, objetividade e direcionamento da energia vital são características encontradas em Capricórnio. O fato de Lilith encontrar-se dignificada exatamente no signo regido por Saturno é, portanto, outro fator de aproximação entre os dois arquétipos.

Possibilidades de integração ou confronto?

Seja de um ponto de vista espiritual ou mitológico, seja por meio da abordagem psicológica, a relação entre essas duas energias pode dar origem a um processo de integração consciente de aspectos duais do inconsciente. O ponto essencial é a necessidade de aceitação consciente da sombra, em suas faces feminina e masculina, para que as características sejam totalmente integradas à psique e possam constituir o sujeito em sua totalidade. Acredito que essa possibilidade de integração foi amplificada quando os dois estiveram transitando ao mesmo tempo em Capricórnio.

Se as energias saturninas têm, entre outras funções, dar forma e canalizar de modo construtivo as energias disruptivas de Lilith, em que outro signo isso seria melhor executado do que no persistente e disciplinado Capricórnio? Em que outra posição Saturno poderia estar tão firme dos seus propósitos a ponto de fornecer opções viáveis de ação para a rebelde energia criativa de Lilith?

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Como desenvolver canais para a criação?

Por sua vez, se cabe a Lilith quebrar as resistências e inibições de Saturno, a fim de ampliar a espontaneidade das expressões psicológicas do sujeito, onde ela estaria mais segura do que no signo onde está dignificada, por estar em seu ponto “natural” de domínio, o apogeu em relação à Terra?

Como ressalta Jacobs, concordando com Jay, quando se encontra em Capricórnio, Lilith enfatiza a função de maturação, não apenas em relação ao trabalho, mas ao modo como as coisas devem ser feitas. O propósito desse posicionamento é desenvolver uma relação firme e estável com os próprios instintos (Jacobs, 2008, p. 137-138).

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Criatividade para romper barreiras. Photo by Robert Lukeman on Unsplash.

Durante a passagem de Lilith por Capricórnio, acompanhada por Saturno, que permanece por lá até 2020, presenciamos uma efervescência social de discussões sobre temáticas femininas e feministas, especialmente o enfrentamento da violência e a garantia aos direitos das mulheres e questões relacionadas à sexualidade tais como aborto e aceitação da diversidade de expressão sexual.

Três casos paradigmáticos dessa temática serão analisados na próxima semana: 1) assassinato da vereadora Marielle Franco, no Rio de Janeiro, em março de 2018; 2) aprovação popular do direito ao aborto na Irlanda, em 26 de maio de 2018; 3) aprovação, pela Câmara dos Deputados argentina, do projeto que legaliza o aborto naquele país, em 14 de junho de 2018.

 

Referências

ENGELHARD, Suely. O renascer de Lilith. Junguiana. Revista Brasileira de Psicologia Analítica. Nº 15, dez. 1997, p. 28-41.

HURWITZ, Siegmund. Lilith – The first Eve. Historical and Psychological Aspects of the Dark Feminine. Zurich/ Switzerland: Daimon Verlag, 2012.

JACOBS, Tom. Lilith: Healing the Wild. GNU Free Documentation License, 2008.

JAY, Delphine Gloria. Interpreting Lilith. 5ª ed. Tempe/AZ: American Federation of Astrologers, 2010.

KOLTUV, Barbara Black. The Book of Lilith. Lake Worth/FL: Nicolas-Hays, 1986.

 

[1] Segundo Jung, Anima é a representação do feminino na consciência masculina.

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