Possibilidades de empoderamento ou confronto?
Como destacamos na postagem anterior, a relação entre as energias de Saturno e Lilith, especialmente quando combinadas em Capricórnio, pode dar origem a um processo de integração consciente de aspectos duais do inconsciente. O ponto essencial é a necessidade de aceitação consciente da sombra, em suas faces feminina e masculina, para que as características sejam totalmente integradas à psique e possam constituir o sujeito em sua totalidade. Provavelmente, essa integração foi amplificada enquanto os dois estiveram transitando por Capricórnio.
Se Capricórnio representa o cume da montanha, a realização social e material no mundo, a presença de dois arquétipos da sombra nesse signo podem ter ativado essa energia no nível inconsciente coletivo. Não por outro motivo, polêmicas sobre temáticas femininas e feministas, bem como a discussão entre os que naturalizam diferenças e os que pregam igualdade entre homens e mulheres foram comuns no período. As estruturas capricornianas – especialmente sociais e políticas – ainda estão sofrendo o impacto das reformas propostas por Saturno e por Lilith, que já se encontra em Aquário e pode dar voz a novos ideais de organização social.

Analiso agora três casos paradigmáticos dessa temática, ocorridos em 2018.
Irlanda – Referendo popular
O primeiro deles é a aprovação popular do direito ao aborto na Irlanda, em 26 de maio de 2018, por meio de um referendo que alcançou mais de 60% de votos favoráveis. De tradição católica forte, o país discutia há anos a questão, e a partir da mobilização conjunta de dezenas de entidades e movimentos sociais ligados ao tema, finalmente a aprovação do aborto foi consubstanciada em uma decisão política formal – em forma de autoridade, portanto. Nesse exemplo, vê-se a força criativa do feminino que não aceita se submeter a uma autoridade externa ao seu próprio corpo conseguindo quebrar a rigidez e o autoritarismo saturnino baseado na tradição e nas instituições profundamente patriarcais que são a Igreja Católica, a Justiça e o Parlamento.
No mapa do referendo, que considera o horário de divulgação do resultado, em Dublin (18h17), Plutão (21°01’ de Capricórnio) está conjunto com Lilith (22°04’) na Casa III, onde também estão Saturno (8°00 de Capricórnio) e Marte (3°46’ de Aquário). Percebe-se, portanto, que a insubordinação e capacidade criativa de Lilith foram direcionadas para finalidades pragmáticas e coletivas pelas energias plutonianas e saturninas, muito relacionadas a pulsões inconscientes e a temas considerados tabus sociais. Saturno está em oposição quase exata a Vênus (8°33’ de Câncer) na Casa IX, indicando que valores conectados ao feminino podem alcançar a esfera política e filosófica, e as próprias instituições, que acabam influenciadas por uma visão de mundo a partir de uma ótica de autonomia das mulheres.
Um ponto interessante é que a campanha a favor do direito de aborto ressaltou os depoimentos de mulheres que passaram pela experiência de forma traumática. A discussão foi estimulada por um recente caso de morte de uma adolescente de 17 anos, impedida pela Justiça daquele país de realizar o aborto. Vênus em Câncer na Casa IX provavelmente enfatizou o discurso da empatia e do cuidado que se opõe ao preconceito contra mulheres que sofrem o aborto, assim como Saturno contribuiu para a formalização legal da opinião pública, enquanto o Marte aquariano na Casa III auxiliou na comunicação eficiente de novos valores para o coletivo. A Lua (1°57’ de Escorpião) conjunta com o ASC (2º23’) e em oposição a Urano (0°34” de Touro) também mostra a força da autonomia feminina e da decisão sobre o próprio corpo como instrumento de mudança profunda nos rumos sociais.
Argentina – Decisão legislativa
O segundo caso analisado é a aprovação, pela Câmara dos Deputados argentina, do projeto que legaliza o aborto naquele país, em 14 de junho. Depois de 23 horas de sessão, a proposta foi aprovada por 129 votos a favor, 125 contra e uma abstenção. Desses votos, 50 deputadas argentinas votaram a favor e 49 contra, o que mostra a divisão de opinião sobre o assunto. No momento da aprovação, milhares de mulheres comemoraram a decisão nas ruas de Buenos Aires.
O mapa analisado é o do momento em que a decisão foi proferida (9h52), com a apuração dos votos dos parlamentares. Ao contrário do caso irlandês, na Argentina foram os legisladores os responsáveis pela aprovação. Plutão (20°40’ de Capricórnio) continuava conjunto a Lilith (24°09’), mas dessa vez ambos se somaram ao DC (19°31’ de Capricórnio) para enfatizar o peso do outro nas decisões individuais, revelado pelos votos masculinos que definiram a votação. Marte em Aquário na Casa VII (8°18’) indica que o momento de ação era aquele, e a comemoração presencial das milhares de mulheres mostra a materialização corporal, em forma de multidão, da autonomia feminina. Saturno posicionado na Casa VI (6°48’ de Capricórnio) revela que o processo de construção da proposta pela Casa Legislativa, que durou 13 anos, foi longo, trabalhoso e demandou esforço dos envolvidos na decisão.
Destaca-se ainda a oposição de Lua e Mercúrio, conjuntos em Câncer na Casa XII (3°28’ e 3°33’, respectivamente), a Saturno. Emoção e racionalidade, afetos e capacidade de comunicação se conjugam em uma deliberação pragmática que envolve e traz à tona diferentes aspectos e traumas do inconsciente coletivo, entre eles a memória sobre a adoção de filhos de militantes assassinados durante a Ditadura por militares.
A proposta foi rejeitada, contudo, pelo Senado argentino no dia 8 de agosto, quando Lilith estava a 0°20’ de Aquário, conjunta com Marte retrógrado a 0°47’, na Casa VIII. No momento da decisão, Saturno (3°10’) e Plutão (19°22’) também estavam retrógrados em Capricórnio, Saturno na Casa VII. Plutão fazia oposição à Lua canceriana (16°02’) na Casa II. Destaque para o Mercúrio casimi retrógrado a 16°20’ de Leão, enquanto o Sol leonino estava no grau 16°37’, ambos na Casa III, em quincuce com Netuno retrógrado a 15°5’ de Peixes, conjunto com o MC (18°18’ de Peixes). Resumidamente, parece que a racionalidade, a comunicação e os valores do feminino foram eclipsados pela autoridade e um retorno à tradição. Pode ter havido alguma ilusão e/ou desilusão sobre a política e a rebeldia aquariana de Lilith certamente pareceu ameaçadora ou demasiadamente original para a maior parcela dos senadores argentinos, em um movimento que podemos considerar alinhado à retrogradação dos planetas pessoais (Marte e Mercúrio) e transpessoais (Urano, Netuno e Plutão).
Brasil – Assassinato político?
O terceiro caso analisado, ocorreu em 14 de março de 2018 no Rio de Janeiro e traz a ameaça à autoridade feminina e ao reconhecimento público direcionado a mulheres proeminentes no cenário nacional. Trata-se do assassinato da vereadora Marielle Franco.
Aqui, percebe-se a sombra manifestando-se em toda a sua força, com o silenciamento de uma voz discordante e tradicionalmente relegada a uma posição de inferioridade social que obteve reconhecimento na vida política, um espaço tradicionalmente e majoritariamente ocupado por homens. A negação da proeminência e do status público de autoridade a uma mulher negra – isto é, duplamente estigmatizada – se faz por meio da maior violência passível de ser sofrida por um ser humano: o assassinato.
O mapa do momento do crime, estimado às 21h30, traz Saturno (8°13’), Lilith (14°00’) e Plutão (20°55’) posicionados em Capricórnio. Saturno e Lilith estão na Casa II, acompanhados de Marte em Sagitário (28°28’). O mapa como um todo aponta para a inconsciência das energias planetárias, visto que quase todos os planetas estão abaixo da linha do horizonte, com exceção de Júpiter, no ASC.
Plutão já está na Casa III, e merece destaque a visibilidade mundial desse crime, que levou a reações de organismos e governos estrangeiros pela investigação e punição dos culpados. Violência contra a mulher e feminicídio são questões presentes no cotidiano de vários países, especialmente no Brasil, há séculos. Não há novidade alguma nisso. Porém, acredito que este exemplo MATERIALIZA o tabu de Lilith de forma tão veemente e aguda que a repercussão mundial é mais do que justificada. Contribui para essa interpretação o fato de que o Nodo Norte está conjunto ao MC em Leão (14°30’ e 14°24’, respectivamente). Talvez o único aprendizado coletivo de um fato terrível como esse seja a repercussão pública que pode motivar alguma mudança social, como o aumento do número de candidaturas femininas nas eleições de 2018 e a visibilidade da pequena presença feminina na política nacional.
Não por outro motivo, aliás, as reações persecutórias e difamatórias contra a vítima permaneceram nas redes sociais e nos espaços de opinião pública por vários dias após a sua morte. A reação do arquétipo de sombra de Saturno (Casa II) e Plutão (Casa III) em Capricórnio foi tão violenta que não foi suficiente a morte física de um corpo tido como ameaçador às estruturas sociais patriarcais, porque livre sexualmente e empoderado politicamente. Uma enxurrada de xingamentos, críticas e calúnias – a maioria deles com relação à aparência física, expressão sexual, origem social e aos posicionamentos políticos dela – foi despejada sobre o corpo inerte e sem vida de Marielle, que encarnou Lilith com todo o poder que o arquétipo poderia lhe conferir.
Sexualmente livre, autônoma, poderosa, inteligente, bonita, de origem pobre, negra: sua identidade representava muito mais transgressão do que Saturno e Plutão, incrustrados nos valores e na opinião pública brasileira, majoritariamente machista, poderiam suportar. Neste caso, o aborto proposto por Lilith não veio como possibilidade agressiva de escolha para corpos oprimidos: veio como interrupção violenta de um processo de vida e criação de novas identidades que prometia muitos frutos.
Embates, conflitos, reformas
Os três exemplos analisados demonstram as possibilidades de materialização trazidas pelo trânsito de Lilith em Capricórnio. É possível identificar neles a sombra e os aspectos mais destrutivos que um embate entre Lilith e Saturno pode trazer, ao mesmo tempo em que mostram possibilidades criativas que um encontro maduro entre ambos alcançaria. O trânsito de Lilith por Capricórnio teve sua amplitude elevada com a presença de Saturno, alçada a uma escala coletiva mundial, em ambas as situações descritas.
No caso nacional, o poder do masculino se impôs por meio da violência brutal, o que geralmente revela um desequilíbrio profundo entre feminino e masculino (Jacobs, 2008, p. 85). Já no caso irlandês, a concretização de direitos femininos promoveu o empoderamento de mulheres em uma sociedade altamente tradicional e patriarcal por meio de um discurso baseado nas qualidades do feminino representado por Lilith: empatia, sensibilidade, autonomia do corpo, respeito à sexualidade feminina, aceitação do prazer e da liberdade das mulheres.
O caso argentino é mais ambíguo. Assim como houve a possibilidade de empoderamento do feminino e de sua autonomia, a realização do debate de forma interna ao parlamento, com grande pressão da Igreja Católica – cuja maior autoridade é argentina, e a recusa do Senado à aprovação da mudança legislativa mostra o poder das estruturas saturninas em conduzir e formatar a opinião pública. A pressão das tensões inconscientes internas também se fez presente, ao destacar o debate sobre a adoção nos tempos (sombrios) da Ditadura Militar.

O confronto interno com Lilith pode fazer com que ela se transforme, ensina Hurwitz. O diálogo interno começa e o arquétipo perde um pouco da sua escuridão, compulsão e selvageria. Acredito que isso também aconteça no nível coletivo. A maturidade demandada por Capricórnio significa o distanciamento das motivações internas nos moldes cancerianos. Em outras palavras, demanda que o sujeito se descole de sua própria perspectiva emocional, dando um lugar objetivo para o outro em suas considerações. Esse movimento parece ter sido alcançado pelos coletivos irlandês e argentino, em alguma medida, ao buscarem a empatia e a negociação com o lado masculino, mas ainda parece longe de ser hegemônico no cenário brasileiro.
Reforço que uma relação construtiva entre os arquétipos de Saturno e Lilith pode levar à integração de duas dimensões essenciais da psique humana: o masculino disciplinador, que se interessa pelo crescimento, e o feminino selvagem, que ama a expressão criativa.
Ao mesmo tempo, se o consciente, seja coletivo ou individual, se nega ao esforço de reconstrução demandado por esse processo, persistindo numa perspectiva emocional de desintegração e oposição dessas duas dimensões da sombra, o resultado pode ser catastrófico para a própria psique. E também para a sociedade.
Referências
ARROYO, Stephen. Astrología, Karma y Transformación. Las dimensiones interiores del mapa natal. Buenos Aires: Editorial Kier, 2015. 3ª ed.
ENGELHARD, Suely. O renascer de Lilith. Junguiana. Revista Brasileira de Psicologia Analítica. Nº 15, dez. 1997, p. 28-41.
GREENE, Liz. Saturno. O Senhor do Karma. São Paulo: Pensamento, 1995. 10ª ed.
HURWITZ, Siegmund. Lilith – The first Eve. Historical and Psychological Aspects of the Dark Feminine. Zurich/ Switzerland: Daimon Verlag, 2012.
JACOBS, Tom. Lilith: Healing the Wild. GNU Free Documentation License, 2008.
JAY, Delphine Gloria. Interpreting Lilith. 5ª ed. Tempe/AZ: American Federation of Astrologers, 2010.
KOLTUV, Barbara Black. The Book of Lilith. Lake Worth/FL: Nicolas-Hays, 1986.
LISBOA, Cláudia. Os astros sempre nos acompanham. Um manual de Astrologia contemporânea. Rio de Janeiro: Best Seller, 2013.
SICUTERI, Roberto. Lilith – A Lua Negra. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1990.
TIERNEY, Bil. Las Doce Caras de Saturno. Buenos Aires: Editorial Kier, 1997.
WITT, Harriet. Saturn: A Heavy Burden or a Solid Base? The Mountain Astrologer. June/July 2016, p.16-19.