Mais um 8 de março passou e, novamente, as homenagens às mulheres foram permeadas por protestos por mais direitos, mais igualdade, menos machismo e menos violência. Aliás, desde o início do ano, redes sociais e mídia divulgam os dados de 2018 sobre a violência contra as mulheres no Brasil. Porque eles são, simplesmente, estarrecedores.

Sabemos que os crimes anteriormente classificados como “passionais” não são novidade. Temos até um ditado popular que diz: “em briga de marido e mulher, ninguém mete a colher”, não é mesmo?
Sabemos também que esses crimes ocorrem, geralmente, por um motivo: a separação do casal. Ou seja, são crimes cometidos pelos ex-companheiros, maridos, namorados, amantes, etc. Homens que se relacionaram com as vítimas de forma íntima, sexual, e que não se conformam com o fim do relacionamento.
Ou então, por homens que se sentem traídos pelas vítimas, como no recente caso da adolescente Isabela Miranda de Oliveira, de 19 anos, que teve o corpo queimado pelo namorado quando esse a encontrou na cama com o cunhado dele. Testemunhas que estavam na chácara onde ocorreu o crime relatam que a jovem estava bêbada e foi abusada pelo cunhado do namorado, antes de ter 80% do seu corpo queimado. Isabela morreu dias depois no hospital.
Mas, e a bruxa?
Todas essas histórias de horror contemporâneo me fizeram lembrar do filme Malévola, protagonizado por Angelina Jolie, cujo lançamento ocorreu em 2014. Resumidamente, a produção da Disney conta a história de Malévola, uma bruxa que roga a praga contra a princesa Aurora, mais conhecida como Bela Adormecida.

Obviamente, sabemos o enredo da história da Bela Adormecida. Ela foi enfeitiçada, caiu em sono profundo ao espetar o dedo em uma roca aos 16 anos e só acordaria com o beijo do seu verdadeiro amor. Nenhuma originalidade no mundo da fantasia, afinal vários contos de fadas trazem a temática da consciência pelo amor, pelos relacionamentos. Afinal, as princesas sempre acordam com o beijo dos príncipes, não é mesmo?
Porém, e a bruxa? Quem é ela? Por que, afinal, enfeitiçar alguém com o sono profundo? E por que fazê-la acordar apenas com o beijo do verdadeiro amor? Quando criança, ao ver essa história – que nunca foi uma das minhas preferidas –, eu pensava: será que essa bruxa é tão má assim?
Por exemplo, as bruxas-madrastas da Branca de Neve ou da Cinderela são muito mais presentes nas narrativas. Sempre consegui entender porque elas perseguiam as princesas. Mas essa da Bela Adormecida…. sempre foi um completo mistério pra mim.
A traição de Stefan
Fácil entender, portanto, porque o filme me fisgou. Ele explica os motivos, os sentimentos, as sensações pelas quais a bruxa da Bela Adormecida passa. E, convenhamos, todas nós já passamos pelas sensações de traição, de desilusão amorosa, de quebra de expectativas. Todas nós já fomos machucadas por alguém que amamos. Especialmente, pelos homens que amamos – não necessariamente de forma tão grotesca ou mesmo física quanto as mulheres assassinadas, por óbvio.
E em que consiste a traição sofrida por Malévola? O homem que ela ama, Stefan, e que um dia a tinha amado também, abusa de sua confiança, a engana, a droga e tenta matá-la. Na hora de assassiná-la, contudo, ele não consegue concluir a tarefa que lhe traria ganhos pessoais e o direito a se casar com a filha do Rei.
E, por não conseguir matá-la, ele corta suas ASAS. E as rouba.

Malévola, que era uma fada alada protetora do reino mágico de Moors, tem suas asas roubadas pelo homem que amava. É mutilada e perde sua capacidade de voar. Aquilo que a tornava especial, única, forte, temida. O seu poder pessoal.
O peso das asas
A poetisa russa Marina Tsvetaeva já vaticinou: “Asas dão liberdade apenas enquanto estão abertas e voando. Nas costas de alguém, elas são um fardo pesado.” A forma como aproveitamos ou não nossas asas, os nossos talentos, faz toda a diferença na nossa história.
Quem é Malévola sem suas asas? Apenas uma bruxa amargurada, triste, vingativa, raivosa, aterrorizante. Apenas uma madrasta rancorosa da beleza e do vigor da enteada, que prefere vê-la dormindo do que vivendo, especialmente sua vida sexual.
Quantas vezes tivemos nossas asas podadas por outras mulheres, especialmente da nossa família? Quantas vezes podamos as asas alheias?
Quantas de nós preferem ver suas filhas adormecidas? E quantas já fomos enfeitiçadas e adormecidas por nossas mães?

Em várias outras postagens comentei sobre a energia de Lilith em nossa Carta Natal. Mas como esse feminino selvagem sobrevive dentro de nós quando nossas possibilidades de voo são abreviadas? O que essa energia pode mobilizar quando não conseguimos suportar o peso das asas em nossas costas? Como aproveitar a energia criativa de Lilith se nossas asas foram cortadas, e logo por aqueles que mais amamos?
Aspectos astrológicos
Não à toa, o Carnaval foi recheado de matérias e postagens sobre violência contra as mulheres e feminismo. Para além dos casos concretos noticiados à exaustão – e de forma a culpabilizar as vítimas! – e do fato de o feriado ter ocorrido na mesma semana do Dia Internacional da Mulher, alguns posicionamentos astrológicos nos levam a perceber a sincronia cósmica desse momento.
Urano entrou definitivamente em Touro na quarta-feira de cinzas (06/02), às 5h26 em Brasília. Se isso significa que nossas estruturas serão remexidas e teremos alguma dificuldade em manter o conforto nesse período, também aponta para novas visões sobre o amor e sobre as formas de expressarmos nossa afetividade, por meio do planeta Vênus, regente de Touro.

Aliás, Vênus entrou em Aquário no sábado de Carnaval (02/03), apontando para a liberdade como um valor central, especialmente nas nossas relações com os demais. Lilith também está em Aquário e traz à tona a discussão sobre o feminismo e a igualdade entre homens e mulheres, como analisamos na postagem sobre o tema.
Como se não bastasse, Quíron chegou ao grau zero do Zodíaco, em Áries, no dia 19/02. Seria esse um sinal de que precisamos resetar os nossos modelos de masculino e feminino? É esse o momento de revisar nossos padrões culturais e estabelecer novas formas de relacionamento, de percepção sobre os gêneros e de expressar nossas energias internas?
Masculino tóxico
Afinal, como lidamos com essa energia criativa interna quando os homens com quem convivemos – e aos quais amamos – cortam nossas asas? E roubam nossas possibilidades de voo? E tiram nosso poder criativo?
Quantos pais simplesmente não suportam o voo dos filhos e, especialmente, das filhas? Quantos temem que o voo dos descendentes seja mais alto que o deles próprios?
Quantos companheiros, amigos, maridos, amantes, colegas de trabalho simplesmente não toleram ver as mulheres que participam de suas vidas alçarem as asas? Ou sentirem qualquer forma de prazer e de alegria genuína por simplesmente poderem voar?

Quantos homens já refletiram sobre situações nas quais tentam explicar às mulheres o que elas devem sentir ou expressar por serem mulheres? Quantos já pensaram que talvez não consigam expressar o feminino que vai dentro deles? Quantos realmente aceitam que há uma energia feminina dentro deles? E que essa energia não é “simples irracionalidade” e não precisa ser temida?
Quantos de nós toleramos que as mulheres da nossa vida expressem autenticamente o poder de criar que vai nelas? Quantos de nós agradecemos por uma expressão franca das emoções, mesmo quando elas nos desagradam? Quantos de nós esperamos que essas mulheres sejam múltiplas, diferentes, complexas, livres em suas vidas?
Asas pra que te quero
No retiro de dança do qual participei no feriado de Carnaval, o voo das borboletas foi uma das metáforas para representar o processo de autoconhecimento. Aceitar que temos asas e que podemos usá-las sem a permissão dos outros é o começo. Conceder essa permissão a nós mesmos é uma das etapas essenciais de qualquer autoanálise.
Quantos de nós simplesmente temos medo de voar?
A borboleta também é um símbolo muito preciso dos processos que envolvem Saturno e Lilith, já tratados em outras postagens. Precisamos de limitações, de estrutura, de algo que nos proteja do caos do mundo enquanto estamos nesse processo de transformação. Precisamos do aprendizado, do trabalho árduo, do esforço exigido por Saturno, antes que possamos voar.

Mas sempre chega a hora de sair para o mundo e colocar nossa energia de Lilith para funcionar. Desajeitados ou não, totalmente seguros ou não, preparados ou não, precisamos, em algum momento, romper os limites que, na maioria das vezes, foram impostos por nós mesmos.
Talvez, os astros apenas estejam nos dizendo que nosso casulo já se rompeu.
Façamos como Aurora, que finalmente acordou do feitiço com o beijo de Malévola, mãe adotiva que passou a amá-la de verdade durante os anos de convivência. E que devolveu as asas para essa fada-bruxa-mãe. Porque, afinal, também já era capaz de voar sozinha.
Uma resposta para “Malévola e a manutenção das asas em tempos de masculinidades tóxicas”