Conversava com dois amigos por esses dias – ela uma ariana super assertiva, com um lado Yang bem desenvolvido; ele um libriano super receptivo, com um lado Yin igualmente bem trabalhado – sobre a dificuldade que estamos tendo em integrar o feminino e o masculino dentro de nós.
Ambos já trilharam uma longa jornada de autoconhecimento, seja por meio de variadas técnicas holísticas e terapias, seja por meio da fé religiosa e da reflexão interna. E ambos concordaram com as dificuldades que cercam a empreitada da individuação, para usar o termo de Jung.

Mãe de um adolescente e uma criança e Pai de dois adolescentes e de um jovem adulto, eles relataram, por exemplo, algumas dificuldades que têm com os filhos em um mundo que parece cada vez mais fluido. Afinal, a cada minuto os papéis sociais esperados de homens e mulheres incorporam novos valores e questionamentos, por mais que o discurso patriarcal insista em considerá-los fixos e iguais aos modelos do tempo das nossas avós e avôs.
Ambos ficaram tão chocados com o massacre na escola de Suzano que preferiram não conferir as notícias sobre o caso, no qual cinco adolescentes e duas funcionárias foram massacrados por dois jovens – de 17 e 25 anos – que também mataram o tio de um deles antes de se dirigirem à escola. Porém, nesse mundo digitalmente conectado, dificilmente ficamos imunes às repercussões de fatos trágicos como esses.
Se eu fosse ela…
Também tentei não ver os vídeos exibidos à exaustão pelas emissoras de tevê brasileiras sobre os momentos de pânico dos alunos que fugiam dos atiradores. Obtive sucesso até a quinta 14, quando o hotel em que eu estava decidiu exibir o Bom Dia Brasil na sala de café da manhã. Duas mulheres, sentadas em outra mesa, hipnotizadas pela tela, comentavam o absurdo que era uma mãe não saber que o filho estava planejando um homicídio em série. “Onde ela estava?”, perguntou uma delas. “Se fosse eu no lugar dela…”, comentou a outra.
Eu, que já estava irritada com o fato de a emissora exibir as imagens das crianças em pânico, fiquei ainda mais aborrecida pela reação das minhas companheiras de hotel. Na hora, pensei: “Pronto, tinha que chegar na mãe do sujeito”. E logo em seguida me lembrei de uma das leituras mais perturbadoras da minha vida: “Precisamos falar sobre Kevin”, de Lionel Shriver.

Basicamente, o livro de Shriver conta, em tom confessional, a vida da mãe de Kevin, um jovem que comete assassinatos em massa na escola onde estuda. É uma reflexão pungente, triste, profunda e totalmente conectada com o processo de questionamento da maternidade e dos papeis social e psicologicamente atribuídos às mães. Uma verdadeira obra plutônica, que nos deixa desconfortáveis por vermos na personagem sentimentos que são comuns a todos nós.
Fiquei com vontade de sugerir a leitura para aquelas duas mulheres. Porém, desisti da ideia ao perceber que elas pareciam não compreender que, para além de terem perdido seus filhos, aquelas duas mães terão que carregar a culpa de terem criado dois jovens que se transformaram em assassinos.
Acontece que aquelas duas mulheres do hotel não são, e nunca serão, a mãe de um dos rapazes que cometeu o crime em Suzano. Por isso mesmo, como poderiam sugerir que teriam agido diferente, ou saberiam como agir numa situação dessas? Ou pior, que saberiam como impedir um acontecimento como esse?
Como alguém pode achar que saberia o que fazer ao saber que seu filho cometeu assassinatos em série e suicidou-se depois?
Masculinidade tóxica
Na quarta-feira 13, algumas horas antes do crime, publiquei uma reflexão sobre a masculinidade tóxica e as asas roubadas de Malévola, motivada pela estatística de feminicídios registrada no Brasil apenas nos dois primeiros meses de 2019. Pouco depois, vários blogs e sites jornalísticos informavam que os dois agressores de Suzano comentaram que planejavam e que cometeriam o crime em chats na internet.

Nesses grupos virtuais, homens jovens acusam a sociedade em geral e as feministas em particular por suas dificuldades sexuais e destilam ódio contra mulheres, negros, homossexuais e outras minorias sociais. Ao que parece, contudo, a virgindade e/ou celibato involuntário é o maior problema deles.
Em uma das várias mensagens que circularam nos dias subsequentes ao massacre, a falta de amor dentro das famílias, que estariam desestruturadas, era a causa apontada para a atitude dos dois jovens, que se mataram assim que a polícia chegou ao local. Essa mesma mensagem afirmava que “a violência é o desdobramento de carências afetivas, da necessidade de ser visto e notado, ainda que da pior maneira”.
Mas, de qual carência afetiva estamos falando? Será que esses jovens se ressentem da falta de amor de seus pais? Será que culpam suas mães por seus problemas? Será que culpam também os irmãos – ou a falta deles – por seu isolamento social? E por quem eles querem ser notados e vistos? Pelos demais integrantes dos fóruns dos quais participam? Pelas meninas da escola e da faculdade? Pelos jornalistas das emissoras de televisão?
Relações familiares
Na conversa com meus dois amigos, enquanto ele, constelador familiar, narrava as preocupações com o isolamento de um dos filhos, ela relatava como as dificuldades de relacionamento com seu pai foram aos poucos sendo transformadas depois da realização de uma constelação familiar. Ambos contaram histórias de amor, de carinho, de cuidado, de superação das dificuldades dentro das relações familiares, e, mais que tudo, de aceitação das dificuldades do outro e das nossas próprias.

Parece que aí está uma das questões que tanto perturbam os jovens: para aceitar as dificuldades alheias, precisamos antes aceitar as nossas. O que meus dois amigos concordam que é muito, mas muito difícil de fazer. Especialmente para pessoas acostumadas a terem tudo o que querem, na hora em que querem, com todas as opções disponíveis e todas as facilidades que se pode imaginar.
Quem quer olhar honestamente para seus próprios medos e defeitos? Quem quer refletir se suas ações não são o principal fator de afastamento dos demais? Quem consegue olhar os próprios pais com objetividade e aceitar que eles são como são, e continuar lhes amando mesmo assim? Quem consegue admitir que o mundo não gira em torno de si próprio e que as outras pessoas não lhe devem obrigações?
Integração Yin x Yang
Quem consegue admitir que pode ser assertivo e vulnerável, forte e amável, sensível e decidido, ao mesmo tempo?
Que mulher consegue ser obstinada e determinada sem nunca sentir culpa ou pensar que pode estar magoando alguém? Que homem consegue ser emotivo e mostrar sua vulnerabilidade sem nunca ter sido questionado sobre sua masculinidade?
Para pessoas que são ensinadas que devem ser ou isto ou aquilo e cumprir determinados papeis dos quais não podem se afastar, talvez seja ainda mais difícil aceitar as dificuldades alheias. Afinal, em um mundo no qual meninos não choram e meninas são tão frágeis que precisam sempre ser protegidas, pode ser um desafio para os homens admitirem que precisam de carinho. Em um mundo onde meninos usam azul e meninas vestem rosa, pode ser muito desafiador para as mulheres aceitarem que podem decidir suas vidas por si mesmas e não precisam sentir culpa por isso.
Em um mundo que idolatra o poder de fogo das armas como principal forma de resolução de conflitos e no qual as mulheres têm seus corpos objetificados para o prazer masculino, pode ser muito mais difícil convencer os meninos que podem se magoar com os outros sem precisar agredi-los. Que podem sentir medo e tristeza sem precisar culpar as mulheres por isso. Que podem aceitar a rejeição sem que isso diminua sua potência masculina. Que podem sentir raiva, e até mesmo ódio de alguém, sem querer matar a pessoa.

A integração das energias masculinas e femininas dentro de nós representam o desafio de admitirmos que todos podemos ser fortes e vulneráveis, amedrontadores e amedrontados, sensíveis e racionais, sem que isso signifique abrir mão de nossa feminilidade ou masculinidade, e independente de nossa orientação sexual.
Ano Novo Astral
Que tal aproveitarmos o início do novo ano astral, com a entrada do Sol em Áries agora há pouco, às 19h de hoje, 20 de março, para iniciarmos a revisão desses elementos em nós mesmos? É uma ótima oportunidade de começar algo novo, uma nova visão sobre a nossa própria identidade.
Coragem, determinação, pioneirismo, franqueza, iniciativa e ação são características arianas que podem ser bastante úteis nesse processo.
E daqui a pouco, às 22h, a Lua Cheia em Libra ilumina a Terra para nos mostrar que o equilíbrio e a harmonia entre os opostos pode ser um objetivo alcançável. A beleza está na complementaridade entre o EU e o OUTRO, na relação, no compartilhamento. Precisamos do outro para que possamos ver aquilo que escondemos de nós mesmos.
Áries nos ensina que não somos a metade de alguém. Ao contrário, somos inteiros, únicos, e por isso mesmo podemos buscar o relacionamento com o outro, que também é inteiro e único. Libra nos diz que precisamos do outro para enxergarmos a nossa totalidade. Sol e Lua juntos, nos signos complementares, indicando o caminho para a integração.
Sol e Lua. Áries e Libra. Eu e o Outro. Masculino e Feminino. Juntos, em nós mesmos.
Feliz Ano Novo Astral!
