O mês de setembro, recém finalizado, trouxe polêmicas bastante chocantes à tona, especialmente em relação à discussão sobre a homofobia e a violência contra as crianças. Na postagem passada, abordei o assassinato da menina Ágatha Félix, ocorrido no Rio de Janeiro no dia 20 setembro.
Porém, semanas antes da morte de Ágatha, os cariocas e os brasileiros presenciaram e se envolveram na polêmica sobre o beijo gay entre dois personagens de uma história em quadrinhos comercializada na Bienal do Livro do Rio. Vingadores: A Cruzada das Crianças, da Marvel, trazia uma imagem de dois jovens se beijando. Foi o que bastou para o prefeito da cidade, o evangélico Marcelo Crivella, proibir a comercialização da revista e solicitar à Justiça a sua apreensão.

Decisões judiciais favoráveis à prefeitura motivaram o youtuber Felipe Neto, que tem 34 milhões de inscritos no seu canal, a comprar e distribuir gratuitamente 14 mil livros com temática LGBTQA+ no evento. Semanas depois, Neto relatou estar sofrendo ameaças de morte e tirou sua mãe do Brasil.
Protestos foram organizados dentro da Bienal e, três dias depois, o Supremo Tribunal Federal (STF) confirmou a inconstitucionalidade da apreensão e da decisão judicial que a embasou. Entidades como a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) e a Defensoria Pública do Rio de Janeiro, além da Procuradoria-Geral da República (PGR), se manifestaram publicamente contrariamente à ação da prefeitura e atuaram para sua derrubada jurídica.
Virgem X Peixes: crítica ou empatia?
No dia de início da polêmica, 5 de setembro, havia um stellium em Virgem no céu: o Sol estava conjunto a Marte, Mercúrio e Vênus, todos em oposição a Lilith conjunta com Netuno em Peixes. Ordem, método, limpeza e purificação são temas virginianos, e pode-se perceber a tônica desses assuntos na justificativa de “proteção das crianças” contra conteúdos inadequados por trás da decisão do prefeito.
A oposição exata entre Sol e Lilith aconteceu exatamente no dia 6 de setembro, quando a decisão judicial favorável à apreensão foi dada e os livros foram distribuídos gratuitamente por Felipe Neto. Nesse sentido, parece que Netuno estava “nublando” a questão, provocando a visibilidade da polêmica ao mesmo tempo em que atiçava os ânimos sobre o assunto, por meio da oposição com Vênus e Marte.

O que parece inegável é que a decisão judicial foi arbitrária, partindo de uma concepção bastante rígida sobre o que o é correto e moralmente aceitável socialmente, temas bastante caros a Capricórnio, onde Saturno e Plutão se encontravam retrógrados na data. Assim, de que, exatamente, queriam o prefeito e o juiz proteger as crianças?
De fato, a publicação não era destinada a crianças. E por que ver um beijo entre dois homens causaria algum dano aos pequenos? O ministro Dias Toffoli, presidente do STF, lembrou que a Corte conferiu à união civil de casais formados por pessoas do mesmo sexo os mesmos direitos dos casais heterossexuais, com base no princípio constitucional que veda qualquer discriminação em virtude de sexo, raça ou cor.
A democracia somente se firma e progride em um ambiente em que diferentes convicções e visões de mundo possam ser expostas, defendidas e confrontadas umas com as outras, em um debate rico, plural e resolutivo (decisão do presidente do STF, ministro Dias Toffoli).
Saturno Direto em Capricórnio
A desculpa de proteção das crianças contra conteúdos possivelmente danosos, especialmente aqueles ligados à sexualidade, tem sido um argumento constantemente mobilizado pelos conservadores para se oporem a publicação de revistas, exposições de arte ou exibição de filmes com temática LGBTQ+. Também é este o argumento que embasa os contrários à Educação Sexual nas escolas, disciplina sempre acusada por eles de estímulo à precoce sexualização das crianças, conversão delas à homoafetividade e até mesmo pedofilia.
No dia 22 de setembro, quatro dias depois de Saturno terminar sua última retrogradação em Capricórnio, onde fica até março de 2020, o programa Sílvio Santos exibiu um quadro chamado de “Miss Infantil”. Nele, meninas com idades entre 7 e 12 anos desfilaram de maiô no palco e foram avaliadas por juradas e pela plateia por sua beleza física, especificamente em relação as suas pernas e “colo”.
Depois que as meninas se apresentaram de maiô, Silvio se dirigiu à plateia: “agora, vocês do auditório, que estão com o aparelhinho [de votação], vão ver quem tem as pernas mais bonitas, o colo mais bonito, o rosto mais bonito e o conjunto mais bonito”, disse, indicando que era hora de votar.
O programa foi alvo de milhares de comentários nas redes sociais, a maioria deles por pessoas indignadas com a exploração comercial feita pela emissora de televisão do corpo das crianças e a competição entre elas estimulada pelo apresentador. Porém, alguns defenderam a atração argumentando que era “inocente”, uma simples brincadeira, e que as meninas não tiveram o corpo totalmente exposto.

Plutão em Capricórnio
Não creio que seja simples coincidência que o inconsciente coletivo esteja tão dominado por temas relativos à sexualidade infantil agora. Saturno direto parece estar colocando Plutão, o deus do submundo e dos mortos, em destaque. Lembrando que Plutão representa as forças pulsionais que todos trazemos dentro de nós e também está em Capricórnio, voltando ao movimento direto em 3 de outubro.
Saturno deve se juntar a ele no próximo dia 12 de janeiro e ambos estarão acompanhados de Júpiter, que navega em Capricórnio em 2020. Isso significa que estamos materializando e concretizando boa parte dos conteúdos que, comumente, queremos varrer para debaixo do tapete e esconder dos olhares alheios. Uma preocupação com a nossa imagem pública, afinal, está bastante de acordo com o arquétipo de Capricórnio.

A reação conservadora à produção cultural demonstra que, se há horror a demonstrações de afeto em público, especialmente quando vindas de casais gays, o mesmo não ocorre com a exibição constante das pulsões de morte. Luta, guerra, competição ou a exibição de corpos infantis na televisão para deleite de adultos perversos não parecem ser problemas públicos dignos de regulação estatal.
Assim como também não há a mesma comoção com as mortes precoces de crianças, especialmente quando elas não negras e moradoras das comunidades pobres. Neste caso, como comentado no post anterior, as meninas assassinadas podem ser contabilizadas como “efeito colateral” da guerra ao tráfico.
Urano em Touro pode auxiliar?
Atualmente retrógrado, Urano está desde março no signo de Touro. É provável que o trânsito dele desafie as nossas formas usuais de obter conforto, segurança e estabilidade, assuntos regidos pelo segundo signo do Zodíaco. Outra possibilidade é que o corpo seja encarado coletivamente de outra forma, e com ele toda a nossa sensibilidade para usar nossos sentidos.
A sensualidade taurina não significa apenas o prazer sexual, mas também a busca de sensações prazerosas por meio dos nossos sentidos: ver, ouvir, cheirar, sentir o gosto e tocar objetos que não dão prazer. Creio que toda a discussão sobre as diferentes formas de amar e de se relacionar – com o mundo e com os outros – podem ser incluídas nessa reflexão.

De alguma forma, o movimento atual dos astros traz a rigidez de Saturno em Capricórnio, representado pelo conservadorismo que é, em verdade, uma reação extremada às mudanças propostas por Urano em Touro, que incluem a liberdade de expressão sexual. Os reacionários estão fazendo o que eles melhor sabem fazer: reagir em busca de um passado mítico onde todos éramos felizes e tranquilos.
O problema essencial é que nunca fomos felizes e tranquilos enquanto Nação, pois isso é um mito. A miscigenação étnica, cantada em prosa e verso, foi produto do estupro das indígenas e das escravas, em grande medida. O Brasil continua sendo, portanto, um lugar de extrema violência contra as mulheres. E também contra as meninas.
E a mídia?
Neste texto maravilhoso publicado em 2016, a pesquisadora em Comunicação Suzy dos Santos exemplifica com vários trechos de canções de diferentes décadas do século passado como a pedofilia e a sexualização precoce das meninas tem sido tratada como algo normal na produção cultural brasileiros há muito tempo.
Além das músicas, que incluem grandes nomes do cancioneiro popular e cantores não tão tradicionais, mas com grande audiências, Suzy apresenta inúmeros trechos de programas de televisão que estimulam a sensualidade em crianças de 8, 10, 12, 14 anos. As “novinhas” são literalmente um prato cheio na mídia, seja em programas de auditório, seja em competições culinárias ou de calouros, seja para embalar as festas Brasil afora.
Mas quais são as consequências de uma cultura midiática que normaliza a pedofilia e estimula a sensualização precoce das meninas? Qual o problema do Silvio Santos levar meninas de maiô para um júri que vai olhar as pernas e o “colo” delas, na falta de seios?
Segundo os dados do Boletim Epidemiológico divulgado pelo Ministério da Saúde em junho de 2018, entre 2011 e 2017 foram notificados 184.524 casos de violência sexual no Brasil. Deles, 58.037 (31,5%) foram contra crianças e 83.068 (45%) contra adolescentes. É isso mesmo o que você leu: 76,5% dos casos de violência sexual cometidos – e notificados! – no Brasil nesse período tiveram como alvo pessoas com idades entre 0 e 18 anos.

Como ressalta Suzy, “as crianças são escolhidas porque são frágeis”.
O abusador ataca quando tem oportunidade, ataca bebês vestidos com fraldas, ataca idosas, ataca doentes terminais em hospitais. O nosso ponto é que, ao transformar crianças em objeto de fetiche, ao reverberar a ideia de que mulheres são como bonecas infláveis – bastaria pegar e usar – ao divulgar apologias do estupro, ao banalizar a sexualização precoce de meninas e meninos, a mídia negligencia o cuidado com a infância. E a sociedade, ouvindo refrão de canção grudenta, reproduz a mesma irresponsabilidade social (grifos no original).
Quem são os vilões?
Infelizmente, não são os tradicionais vilões – marginais ou bandidos que atacam em vielas ou ruas escuras, como gostamos de pensar no Brasil – que estão agredindo nossas crianças, na maior parte dos casos. A maior parte dos crimes é cometida dentro da CASA onde vivem as vítimas, por familiares ou pessoas conhecidas delas.
Mas o pior não acaba aí. Das vítimas, 74,2% eram do sexo feminino, 51,2% estavam na faixa etária entre 1 e 5 anos, 45,5% eram da raça/cor da pele negra. Além disso, 33,7% dos eventos de violência sexual contra crianças tiveram caráter de repetição, 69,2% ocorreram na residência dela e somente 4,6% na escola, enquanto 62,0% foram notificados como estupro.

Aproximadamente 70% das vítimas são meninas atacadas dentro de suas casas e mais da metade delas tem MENOS de 5 anos de idade. Mais de 60% delas foram estupradas. E em mais de 30% dos casos, isso já havia acontecido outras vezes. Em 80% dos casos o autor era do sexo masculino, em quase 40% deles ele era familiar da vítima e em quase 25% dos casos, amigo ou conhecido da família ou da criança.
As estratégias e subterfúgios que os agressores utilizam para camuflar suas pulsões, a conexão do gozo sexual com o poder e a violência sobre seres obviamente mais fracos, a ameaça constante por parte de quem deveria cuidar, todas essas parecem expressões plutonianas de uma psique profundamente doente e desequilibrada.
Talvez Saturno e Plutão em Capricórnio só estejam tornando mais óbvias coletivamente essas expressões das pulsões de morte que nós, humanos, carregamos em nossa psique, para que possamos também reagir a elas de forma mais construtiva e madura. Também de forma coletiva.
Lilith e Quíron: mestres do inconsciente
Creio que a reação passa por dois elementos importantes que estão disponíveis neste momento astral: Lilith em Peixes e Quíron em Áries. Já comentei a força dos dois arquétipos em postagens anteriores, mas gostaria de enfatizar que o processo de cura que podemos finalmente iniciar com Quíron pode nos levar a propor soluções originais e ainda não tentadas para os problemas que temos. É o momento, portanto, de agir.
Por sua vez, Lilith em Peixes está nos provocando, jogando tudo no ventilador, e nos instigando a olhar para as questões mais doloridas que dizem respeito ao fato de sermos humanos, todos integrantes dessa grande coletividade que se chama humanidade. Ao pensar na violência a que estão sujeitas nossas crianças, é difícil acreditar que haja algo de humano nos agressores. Nossa reação instintiva é partir para a agressão também e revidar, fazendo com que sofram a mesma dor que infligem.

Ocorre que não somos mais crianças. E precisamos, como adultos, proteger as crianças e evitar que novas agressões se perpetuem. Portanto, é preciso abrir mão das nossas próprias pulsões de morte para tratar da questão. Como punir os agressores de forma justa, considerando que eles também são seres humanos e, provavelmente, carregam dores que desconhecemos?
Como evitar que a cultura da pedofilia e do estupro continuem se espalhando, normalizando o fato de meninas de 7 anos serem apresentadas de maiô para terem seus corpos julgados na televisão? Como impedir que meninas de 12 anos sejam agredidas sexualmente por meio da internet por participarem de programas de televisão? Como diminuir os números absurdos de casos de violência sexual contra crianças e adolescentes DENTRO de suas casas?
Como cuidarmos das nossas próprias crianças internas, com suas dores e rejeições, para que elas não nos tornem agressores de outras crianças? Como cuidar do nosso feminino reprimido e sufocado, para que ele não nos transforme em agressores de mulheres e meninas?
Lilith em Peixes traz uma boa oportunidade de olhar para essas questões coletivas em busca de soluções, também coletivas, e que dizem respeito a tod@s nós: mulheres e homens, meninas e meninos, crianças e adultos.
