Caindo na teia de Mercúrio em Gêmeos

Há poucos dias, na mesma semana em que Saturno, Vênus e Júpiter começaram a retrogradar no céu para impor um ritmo mais lento a todos nós, Mercúrio chegou ao seu domicílio diurno em Gêmeos, onde fica somente até o 28 deste mês, em uma passagem relâmpago pelo signo da dualidade, flexibilidade e agilidade.

Mercúrio é o planeta que simboliza nossa função mental, intelectual, de comunicação e de aprendizagem. Ele ingressou em Gêmeos no dia 11 de maio, contribuindo para a aceleração do pensamento e das formas de comunicação. De muitas maneiras distintas, agilidade mental e verbal, curiosidade e capacidade de aprendizagem rápida estão presentes nesse período.

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Durante a passagem de Mercúrio por Gêmeos, temos uma ótima oportunidade de aprender coisas novas. Photo by Road Trip with Raj on Unsplash

É um bom momento, portanto, para acessar novas informações, desenvolver soluções para nossos problemas, especialmente aquelas baseadas na lógica e no raciocínio rápido, e também para criar novas formas de expressar e compartilhar com os outros aquilo que sabemos.

Mercúrio é o planeta mais próximo do Sol em nosso sistema solar e o mais rápido: em 88 dias completa sua elipse em torno da nossa estrela. Na mitologia grega, ele é chamado de Hermes, é o irmão mais novo do Deus Sol Apolo, e tem asas em suas sapatilhas e no seu chapéu, sendo o mais rápido dos deuses do Olimpo.

Contemporaneamente, a cultura pop transformou os deuses em Super Heróis e Mercúrio pode ser identificado com o Flash, pelo aspecto óbvio da velocidade. Porém, o Homem Aranha parece ser o personagem que incorpora mais características mercuriais. Acompanhe meu raciocínio ao longo do texto e veja se você concorda.

Irmão mais novo

Exímio negociador, conta o mito que logo depois de nascer, filho de Maia e Zeus, Hermes roubou o rebanho de seu irmão Apolo. Para não ser descoberto, ele fez o gado andar para trás, deixando pegadas no sentido contrário e enganando o irmão, que lhe chama de “astucioso enganador” no episódio, por conta da esperteza.

Para fazer as pazes com Apolo, que também é o Deus da Música, Hermes pegou um casco de tartaruga e inventou a lira, presenteando o irmão com o instrumento. Seu charme e sua retórica, além de sua capacidade de negociação, permitem que ele seja tratado sempre de forma respeitosa pelos outros deuses, mesmo quando estão bravos com ele.

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Apolo e Hermes, deuses mitológicos filhos de Zeus, trocam presentes. 

Segundo Jorge Miklos, a relação entre Hermes e Apolo, de competição e aquisição, é chave para entendermos o arquétipo. Geralmente, o irmão mais novo aprende muito rápido a usar a comunicação para fugir dos conflitos físicos com os irmãos mais velhos, dos quais sairia em desvantagem. Assim, Hermes se torna um grande orador, excelente em retórica, e um ótimo negociador.

Simbolismo do Caduceu

Em retribuição à lira, ganhou de Apolo o Caduceu, o bastão sagrado com as duas serpentes enroladas que representa a Kundalini para a mística oriental e que se transformou no símbolo da Medicina.

Em várias tradições místicas, a Kundalini é a fonte da energia mágica do corpo humano, ou a libido nos termos freudianos. Como lembram Guttman & Johnson (2004), as duas serpentes que se cruzam ao redor do bastão mágico lembram o formato de hélice do DNA humano.

O astrólogo Jason Holley destaca que as duas serpentes do Caduceu representam o Amor e a Necessidade, especialmente por seus pontos de contato. Esse espaço transicional, da união entre as serpentes, e de transformação da energia por meio das trocas entre elas é o domínio de Mercúrio.

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Entardecer e amanhecer são os momentos em que vemos Mercúrio nos céus. Photo by Daniel Olah on Unsplash

Em outros termos, Mercúrio representa a dialética entre Amor e Necessidade, entre a Noite, ou inconsciência, e o Dia, a consciência. Não à toa, o planeta somente é visível no céu nos momentos de conexão entre essas duas realidades: ao pôr-do-sol e ao nascer do sol. Representando o esclarecimento e a iluminação, ele conecta os dois mundos.

Também para Miklos, as duas serpentes entrelaçadas representam a união entre masculino (dia) e feminino (noite), o princípio básico da Alquimia. Nessa tradição, Mercúrio era o espírito oculto na matéria, o símbolo que unia os opostos, o elemento que provoca o diálogo entre as partes.

Necessário para a transformação de chumbo em ouro, Mercúrio mostra o caminho até o ouro espiritual, por isso é considerado o guia das almas na jornada mística e o elemento que faz a conjunctio, a união entre os princípios masculino e feminino. Como ressalta Miklos, o elemento químico mercúrio desliza, não é possível absorvê-lo, o que permite o seu trânsito por todos os lugares.

Comunicador divino

Hermes é, portanto, o Mensageiro entre os mundos, o Mensageiro dos Deuses, e de seu nome derivam as palavras hermético, hermenêutica e hermetismo. Ele consegue transmitir as mensagens dos deuses aos homens, interpretar as metáforas e as alegorias dessa comunicação divina, fazendo a conexão entre o Ego e o Self.

Como destaca Jason Holley, de um ponto de vista psicológico, o Dia representa as ilusões necessárias que mantemos para nos movermos no mundo, isto é, o EGO. O dia, portanto, é uma contingência, pois no outro lado do planeta ainda é noite.

O problema é que a noite é terrível para nós humanos, somos aterrizados por ela, porque basicamente não conseguimos controlar o inconsciente. Como bem lembra a personagem Melisandre, a feiticeira vermelha de Game of Thrones, a noite é escura e cheia de terrores (“the night is dark and full of terrors”).

Segundo Holley, dia e noite, masculino e feminino, são apenas diferentes experiências da realidade. E é isso que Mercúrio traz em diálogo para que possamos perceber: as diferenças, as conexões e o movimento entre essas duas dimensões da experiência humana.

Na Mitologia Grega, Hermes leva as almas dos mortos ao Hades governado por Plutão, o submundo do qual derivou o inferno na tradição cristã. Para isso, suas habilidades de negociação e agilidade são extremamente valorizadas. Ele, aliás, era o único Deus que podia entrar e sair do Hades a qualquer tempo.

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Na obra “As almas do Aqueronte” (1898), o pintor Adolf Hirémy-Hirschl mostra Hermes levando as almas dos mortos para o Hades, uma de suas tantas tarefas na Mitologia Grega.

Homero se refere a ele como “aquele que trazia os sonhos” (Guttman & Johnson, 2004, p.108), que não são mais do que uma das formas de comunicação com o Self, ou com os deuses nas antigas tradições.

Transporte e comércio

Astúcia e agilidade são características necessárias a alguém que transita entre diferentes mundos e precisa fazer acordos, se disfarçar, se adaptar a diferentes condições e fazer aliados que possam lhe socorrer. Assim, entre as características do arquétipo estão a esperteza, a astúcia, a capacidade de persuasão e convencimento, a capacidade de mudar de forma e de se adaptar a novas condições quando necessário.

Viajante entre o mundo divino e o mundo subterrâneo dos mortos, Mercúrio é adorado como o deus dos caminhos, dos transportes e da comunicação. Segundo Miklos, os homens herméticos são os negociantes e os comunicadores, pois eles fazem trocas, interações, o trânsito entre mercadorias, pessoas e ideias.

Na Astrologia, a Casa III é regida por Mercúrio e trata das interações entre os irmãos, da comunicação e da capacidade de aprendizagem, além das viagens curtas. Nessa área da vida, estão nossas primeiras experiências com a expressão de ideias e o compartilhamento de informações.

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A jornada xamânica é uma das possibilidades de comunicação mercurial.

A imagem da Jornada ao Inconsciente, ou ao mundo dos mortos, existe em várias culturas e religiões, para além da Psicologia. Por exemplo, Guttman & Johnson mencionam a jornada xamânica, por meio da hipnose ou do transe místico, como uma dessas possibilidades. Da mesma forma, quando dormimos, fazemos nossa própria jornada interior por meio dos sonhos.

Em todas essas situações, Mercúrio é o nosso guia pelas regiões mais escuras da psique. Sua natureza dual, tão bem expressa pelo signo de Gêmeos, aponta para o próprio paradoxo psicológico da consciência X inconsciência. Lembrando que em várias passagens mitológicos, Hermes ficava invisível ou conseguia se camuflar no ambiente para não ser visto.

Ladrões e trapaceiros

Obviamente, assim como temos o nosso lado inconsciente conectado à noite, a escuridão faz parte de nossa psique. Num aspecto de sombra, portanto, as habilidades de Mercúrio como astúcia, capacidade de adaptação e persuasão podem ser usadas para enganar, roubar, trapacear e levar vantagem sobre os outros.

Como ressaltam Guttman & Johnson,

Mercúrio é a mente sem uma consciência. Ele precisa dos outros planetas para lhe darem um senso de responsabilidade. Considerado inteiramente em si mesmo, Mercúrio pode ser um tanto imaturo (Guttman & Johnson, 2004, p.106).

Ao irmão Apolo, por exemplo, ele responde cinicamente depois de ter roubado seu rebanho: “Será que pareço um homem forte para roubar vacas?”. Esse tipo de atitude cínica, debochada, irresponsável e egoísta também faz parte do arquétipo. Hermes, afinal, era também o deus adorado pelos ladrões.

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Rapidez, agilidade, capacidade de persuasão são características mercurianas muito úteis aos ladrões.

Da mesma forma, Mercúrio domiciliado em Gêmeos pode nos deixar mais propensos a tentar engambelar os outros para levarmos vantagem, por conta da dualidade presente nesse signo. Mentiras, decepções, fake news, enrolações, tentativas de persuasão e até mesmo propaganda enganosa podem proliferar nesse período.

Incrível Homem Aranha

Não é apenas a agilidade física que do Homem Aranha que me faz lembrar de Mercúrio, ainda que esse ponto seja interessante. Sua rapidez ao se movimentar pendurado pelos prédios de Manhattan sempre me fascinou durante a infância. Quem nunca quis poder saltar pendurado numa teia junto com ele?

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Homem-Aranha se diverte em suas aventuras, um aspecto relacionado à jovialidade de Mercúrio. Cena do filme “Homem-Aranha Longe de Casa”, de 2019.

O lance é que, além de se mover rápido, ele se divertia com a experiência, mais um aspecto que se relaciona com a jovialidade de Mercúrio, quase sempre retratado como um jovem. Aliás, o Homem Aranha é um dos mais jovens super heróis, na maioria das vezes aparecendo como um adolescente ou, no máximo, um estudante universitário.

Um outro fator interessante é o fato de Peter Parker, o humano que se transforma em Homem Aranha, ser um nerd, um garoto estudioso, inteligente acima de média e que acaba sofrendo uma mutação ao ser picado por uma aranha radioativa, ou geneticamente modificada na versão mais recente, enquanto trabalha como estagiário em um super laboratório.

Curiosidade e interesse científico são atributos bastante mercuriais, assim como a capacidade de transformação do próprio DNA ou, em termos místicos, da energia da Kundalini. Afinal, os poderes de Parker nada mais são do que uma intensa capacidade adaptativa a características de outro ser vivo que ele incorpora em si mesmo.

Grandes responsabilidades

Uma das cenas mais emblemáticas de Homem Aranha é a morte de seu tio Ben, assassinado por um criminoso que Parker deixa de prender quando tem chance. A frase do tio para o adolescente, pouco antes de morrer, é uma representação icônica do aspecto mercurial da jovialidade excessiva: “com grandes poderes, vêm grandes responsabilidades”.

Jason Holley destaca que um dos aspectos de Mercúrio é exatamente essa dinâmica entre as figuras do Puer – o eterno jovem inconsequente – e o Senex – o velho sábio e responsável, incrivelmente retratada nessa cena entre Peter e seu Tio.

Assim, durante as histórias e os filmes, o herói alterna momentos de extrema sensibilidade e empatia com um humor pueril e expressões narcísicas de inconsequência. Por exemplo, quando se torna o fotógrafo de si mesmo e tenta capitalizar monetariamente e emocionalmente o fato de ser “amigo” do Homem Aranha.

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Peter Parker é apenas um adolescente cheio de problemas típicos da adolescência. Cena do filme “Homem-Aranha Longe de Casa”, de 2019, protagonizado por Tom Holland. 

Criado em 1962 por Stan Lee e Steve Ditko, a história é a primeira a trazer um adolescente como protagonista. É interessante perceber que, assim como Peter, os adolescentes estão em um momento de trânsito intenso entre a infância e a vida adulta. Ou seja, são seres em um processo de mutação acelerado.

Provavelmente, venha daí o sucesso do personagem, que permanece em alta entre crianças e adolescentes do mundo todo há quase 60 anos. Aliás, é interessante lembrar que em agosto de 1962, quando o personagem foi lançado, Saturno estava em Aquário como hoje, Marte em Gêmeos e Mercúrio estava em seu domicílio noturno, Virgem, em boa parte daquele mês.

Geminiamente dual

Para quem nasce com Mercúrio em Gêmeos, a agilidade mental é tão intensa que pode trazer ansiedade e uma extrema multiplicidade de interesses. Por conta da dualidade desse signo, capacidade de adaptação e flexibilidade mental ajudam o indivíduo a se movimentar com extrema destreza por diferentes ambientes e grupos.

Obviamente, tanta velocidade e amplitude de interesses podem resultar em superficialidade e volubilidade, como se a pessoa estivesse sempre mudando de ideia em busca de novas experiências mentais. Instabilidade é uma característica geminiana que pode gerar uma dose de inconstância às formas de comunicação e aprendizado.

Compartilhamento intenso, trocas e negociações constantes, busca por novidades, velocidade e agilidade no acúmulo de informações. Mercúrio em Gêmeos é belamente representado por nossos ambientes digitais, especialmente as mídias sociais. Não creio que seja mera coincidência que a internet seja chamada de “rede”, ou web, em inglês. Termo que designa também a “teia” da aranha.

Em português, as palavras podem ser usadas como sinônimos em certos contextos. De qualquer forma, fisicamente, tanto a teia quanto a rede são tramas, estruturas entrelaçadas que sustentam algo. Prendem, agarram, imobilizam, apoiam, entre outras ações. Do mesmo modo como a comunicação e a nossa capacidade de aprendizagem servem à nossa psique.

Aprendizado coletivo?

Não à toa, o período de Mercúrio em Gêmeos pode trazer uma intensificação da importância das redes no nosso cotidiano, especialmente porque no mapa de sua entrada para Brasília, ele está na Casa VI, do cotidiano. Velocidade e acúmulo de informações provavelmente terão impacto em nossas rotinas, nossa saúde e nosso ambiente de trabalho.

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Talvez o trígono com Saturno em Aquário, que iniciou sua retrogradação nesta semana, traga um ponto de equilíbrio para que tanta velocidade e superficialidade não nos sejam prejudiciais. Saturno pode ser o suporte onde penduramos nossa rede, a fim de que ela não nos aprisione ou nos enrede, mas nos sustente.

O velho Tio Bem-Saturno mais uma vez aparece na história para nos dizer que precisamos ser responsáveis por nossos atos, isto é, precisamos aprender a usar nossas habilidades com finalidades úteis não apenas para nós mesmos, mas também para o coletivo.

Sensibilidade, empatia, compaixão, capacidade de expansão e de transformação farão parte dos nossos valores nesse período, juntamente com nossa responsabilidade social indicada por Saturno em Aquário. Talvez seja o tempo de escutar a mensagem dos deuses. E eles nos dizem que não vivemos sozinhos, mas em comunidade.

Tomara que Mercúrio em Gêmeos nos ajude a compreender melhor o que precisamos ouvir nesse momento, e não sirva apenas para que fiquemos ainda mais envoltos em mentiras e falsas tramas.

Referências

GUTTMAN, Ariel; JOHNSON, Kenneth. Mythic Astrology Applied. Personal Healing through the Planets. Minnesota: Llewellyn Publications, 2004.

HOLLEY, Jason. Deep Mercury. Webinar apresentado na MISPA em 13/10/2019.

HUMBERT, Jean. Mitología griega y romana. Barcelona: Gustavo Gili, 2017. 2ª edição.

LISBOA, Claudia. Os astros sempre nos acompanham. Um manual de Astrologia contemporânea. Rio de Janeiro: Best Seller, 2013.

MIKLOS, Jorge. Hermes: Deus Mensageiro e Guia – Comunicador Viajante. Curso As múltiplas faces do masculino. Instituto Freedom. Acessado em 24/04/2020.

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