O Senhor do Tempo – Saturno
Nas duas primeiras vezes em que fiz o meu mapa – em um site de astrologia e com um astrólogo profissional – ele passou quase despercebido. Notei aquele planeta localizado bem embaixo, na Casa III, em Leão, mas não prestei muita atenção. Apenas percebi, na segunda leitura, feita com o auxílio necessário do astrólogo, que ele estava envolvido num grande trígono de fogo com Vênus e Netuno, em duas quadraturas, com Mercúrio e Urano, e em um sextil com Plutão.
Na última leitura do meu Mapa Natal, feita coletivamente há poucos meses pelo professor John Green e colegas curso à distância da Mercury Internet School of Psychological Astrology (MISPA), ele novamente reapareceu. Uma das colegas comentou que o posicionamento de Saturno era muito visível como ponto de apoio do meu mapa, o que na vida real transparece no fato de que minha única irmã é razoavelmente mais velha do que eu (16 anos!). “Isso sim é um Saturno de Casa III, hein?”, brincou ela. Além disso, os colegas apontaram para o fato de Saturno ser o ponto de conexão entre os planetas pessoais, localizados no hemisfério esquerdo do mapa, e os transpessoais, todos no lado direito.

Pensando sobre isso agora, enquanto escrevo, fica muito claro o quanto eu precisava de tempo para encará-lo com franqueza. Tempo para perceber o quanto o seu peso, como o chumbo que alguém carrega preso à perna como forma de punição por crimes cometidos, pode obscurecer e atrapalhar a visão. Tempo para refletir sobre o tremendo potencial de aprendizagem que se esconde naquele ponto específico do mapa natal onde ele resolveu se mostrar.
E um tempo que ainda me parece infinito para compreender as lições que os seus aspectos e o seu posicionamento estão me trazendo.
Fardo ou base sólida?
Como indica Witt (2016, p.16), Saturno pode ser encarado como um pesado fardo ou uma sólida base para o desenvolvimento de habilidades e aprendizado. Pode criar estruturas construtivas ou obstrutoras, servindo como um trampolim ou como uma barreira intransponível para o crescimento pessoal. A partir da concentração e do foco, podemos obter a consequente cristalização dos resultados concretos das nossas ações e da sabedoria das nossas experiências, ensina a autora. Mas isso somente ao final do longo, árduo, complexo processo de trabalho e esforço demandado por esse planeta.
Seja em seu aspecto físico de planeta azulado com anéis ou em sua representação mitológica como Cronos, Saturno assume o papel de Grande Mestre, o anjo caído que desempenha uma função educativa, segundo Tierney (1997, p.283). Em outros termos, é o equivalente ao SUPEREGO de Freud.
Saturno permanentemente construye para cada alma, una sólida base por la cual la autorrealización puede convertirse en una realidad. Las pruebas difíciles de la vida son prerrequisitos esenciales para alcanzar este autoconocimiento (Tierney, 1997, p.283).
Superego ou o Pai Crítico
Saturno, portanto, é um planeta de isolamento naquelas áreas onde ele está no nosso mapa, ou seja, há pontos específicos onde a introversão pode ser útil para a compreensão dos padrões psicológicos em funcionamento. Tierney cita também Eric Berne ao lembrar que Saturno é o pai crítico, com uma tendência a ser negativo e empenhado em achar defeitos em seus filhos (Tierney, 1997, p.294-295), exatamente aqueles que ele devora avidamente e que podem, paradoxalmente, destroná-lo, como reforça o mito.

Arroyo (2015) enfatiza que Saturno no mapa natal mostra aquelas áreas em que somos muito apegados e rigidamente egocêntricos, onde somos muito defensivos e onde teremos as lições mais duras, exatamente para derrubar as muralhas defensivas e egocêntricas construídas com tanto zelo para impedir que os outros vejam nossos sentimentos de inferioridade, timidez ou opressão.
Segundo ele, no setor específico representado pela Casa onde está localizado o planeta, temos deveres e responsabilidades cármicas específicas que servem de ajuda para que disciplinemos nossas mentes e nossos desejos. É nesse lugar, portanto, que podemos desenvolver disciplina a partir de frustrações e da necessidade de maior esforço para construir uma experiência ponderada e importante. Por representar essa carga pesada, Saturno nos apresenta o desafio exatamente naquela área onde podemos nos esforçar e vencer as limitações com um enfoque sério, obtendo grande satisfação. Por ser uma área que demanda esforço prático de realização na vida, é onde somos especialmente sensíveis a normas e expectativas sociais.
Arroyo destaca também a questão sempre presente em qualquer reflexão sobre Saturno: a importância do tempo para que o processo interno se realize por completo.
Qualquer aspecto, especialmente com os planetas pessoais, indica que nessa área da experiência poderemos desenvolver um novo senso de confiança ao longo da vida, a partir das provas criadas pelo tempo, pelo trabalho e pela experiência. A pressão de Saturno pode desenvolver uma notável força interior.
O que é um desafio quando somos jovens, pode se converter em uma vantagem ao longo da vida, a partir do trabalho e da experiência naquela área, que nos permite construir uma confiança duradoura em nossas habilidades desenvolvidas a partir da energia de Saturno, já que ele mostra uma área na qual carecemos de confiança (Arroyo, 2015, p.142).

Sombra interna
As reflexões de Arroyo são reforçadas por Liz Greene (1995) em sua abordagem psicológica da Astrologia. Para ela, assim como já havia mencionado Jung, Saturno representa a SOMBRA, isto é, as características que temos e que o superego tenta esconder a todo custo, e, por isso mesmo, acabam projetadas no outro (Tierney, 1997, p. 292). Desta forma, seguimos neste trabalho o conselho da autora, para quem o melhor a fazer para iniciar a busca pelo autoconhecimento é focalizar exatamente aquele aspecto da psique simbolizado por Saturno: a sombra.
Saturno simboliza um processo psíquico, assim como uma qualidade ou tipo de experiência. Ele não é simplesmente um símbolo da dor, de restrição e de disciplina, mas também um símbolo do processo psíquico, comum a todos os seres humanos, por meio do qual um indivíduo poderá utilizar as experiências da dor, da restrição e da disciplina como um meio de ampliar sua consciência e desempenho (Greene, 1995, p. 198).
Neste sentido, o poderoso arquétipo mobilizado por Saturno no mapa natal tem um potencial transformador que é a “chave para esta invocação do eu” (Greene, 1995, p.196), uma vez que pode ser usado para proporcionar o conhecimento do indivíduo sobre as características de sua personalidade que ele tem dificuldade para perceber e, especialmente, aceitar. Não se trata, portanto, de permanecer numa chave de leitura astrológica que relaciona o planeta com a má sorte ou acontecimentos/características negativas. De alguma forma, o desafio proposto por Saturno está de acordo com as lições que cada sujeito precisa ter para conseguir se desenvolver plenamente do ponto de vista psíquico.

Arroyo também destaca o potencial educativo interno de Saturno, especificamente em relação à paciência, moderação, temperança, dever e trabalho. Os aspectos entre esse planeta e os demais mostram se a nossa expressão pessoal está limitada ou não pelo nosso sentido do que é apropriado e aceitável socialmente. Em todo caso, o autor ressalta que esse sentido pode ser apenas interior e ter como objetivo algum crescimento interno, mais do que uma percepção correta do exterior e das condições práticas de vida para o sujeito (Arroyo, 2015, p. 138). Mais do que estabelecer verdadeiras limitações externas, portanto, Saturno projeta na realidade exterior os conteúdos que estão presentes internamente ao indivíduo, para que ele próprio consiga desenvolver todo o seu potencial.
Stone segue na mesma linha de argumentação ao apresentar como conceitos saturninos essenciais a responsabilidade, o esforço, a paciência, a concentração e a realização. Desse modo, limites e responsabilidade são duas dimensões da experiência humana que estão intimamente conectadas e são necessárias para o crescimento psíquico.
A noção de limitação também precisa ser entendida no contexto do impulso que atribuímos a Saturno, porque ser verdadeiramente responsável é conhecer seus limites. A estrutura, conforme representada por Saturno, sempre tem fronteiras e, da mesma forma, qualquer ação concreta que queiramos executar precisa ser definida dentro de certos limites. A realização concreta é uma questão de concentração na tarefa em curso e de recusa em seguir vertentes não produtivas fora da rota principal (Stone, 1997, p.51).
Qualidades e defeitos
Ainda que estejam ancoradas numa perspectiva cármica, que não será abordada neste trabalho, as reflexões de Stone facilitam a compreensão do sentido que Saturno pode assumir numa configuração astrológica natal. Para a autora, o lado positivo do arquétipo faz com que o sujeito tenha disposição para arcar com suas responsabilidades na vida e tentar resolver os problemas com perseverança; além de desenvolver a capacidade de ser fiel às convicções pessoais apesar das pressões e convenções sociais.

Contudo, de um ponto de vista negativo, o indivíduo que não consegue lidar adequadamente com a influência saturnina pode ter:
- preguiça, recusa em se esforçar e tendência a deixar que os outros tomem atitudes por ele;
- falta de plena aceitação das responsabilidades sociais;
- excesso de ambição pessoal e de interesse em metas materiais;
- excesso de importância atribuída à aceitação social, ao status e à respeitabilidade;
- tendência a impor os próprios padrões aos dependentes (Stone, 1997, p.130).
A posição de Saturno no mapa natal indica fundamentalmente onde é preciso desenvolver a noção de responsabilidade. Nessas áreas específicas da vida, a primeira questão é saber se somos responsáveis por nós mesmos (Stone, 1997, p.55).
Arroyo sintetiza as características de Saturno e seus significados genéricos de forma bastante didática, e lembra-nos do mestre Rudhyar:
- princípio de autopreservação e contração;
- princípio da forma, estrutura e estabilidade;
- princípio do tempo e da aprendizagem pela experiência imediata;
- impulso para defesa da nossa integridade pessoal e estrutura de vida;
- natureza fundamental da pessoa, para Rudhyar;
- dimensão do complexo do EGO (Arroyo, 2015, p. 130-131).

Para o autor, Saturno traz a experiência e a instrução concentradas que somente nos chegam por meio do corpo físico, do plano material, e que nos põe à prova, sem espaço para o autoengano, escapismo ou racionalização.
Aproveitar todo esse potencial de aprendizado, então, pode ser a chave para o crescimento emocional e espiritual necessários para a paz interior. Especialmente por todo o esforço e trabalho interno que esse processo demanda.
Referências
ARROYO, Stephen. Astrología, Karma y Transformación. Las dimensiones interiores del mapa natal. Buenos Aires: Editorial Kier, 2015. 3ª ed.
GREENE, Liz. Saturno. O Senhor do Karma. São Paulo: Pensamento, 1995. 10ª ed.
STONE, Pauline. A Astrologia do Karma. Um manual de astrologia para a Era de Aquário. São Paulo: Pensamento, 1997. 12ª ed.
TIERNEY, Bil. Las Doce Caras de Saturno. Buenos Aires: Editorial Kier, 1997.
WITT, Harriet. Saturn: A Heavy Burden or a Solid Base? The Mountain Astrologer. June/July 2016, p.16-19.
Uma resposta para “Saturno & Lilith – Paradoxo essencial a serviço do desenvolvimento psíquico II”